Pintura de Romero Britto

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

CUIDANDO DO CORAÇÃO...

Laura era uma moça muito tímida e apesar dos seus 21 anos, demonstrava ser muito reservada em relação a sua vida pessoal. Cursava o terceiro ano de medicina e sabia que se não fosse persistente em seus objetivos de vida, não conseguiria o diploma com que tanto sonhava. De origem humilde, seus pais lutavam com muita dificuldade para que nunca lhe faltasse os livros e demais recursos para a sua formação. Laura não tinha namorado desde a sua aprovação  no vestibular da USP e até aquele momento de sua vida não sentia falta de um relacionamento pois os estudos lhe tomavam tempo integral. Dependia financeiramente de seus pais já que a medicina não lhe permitia ter qualquer vínculo empregatício.  Muito sensível, compensava a falta de um amor escrevendo poesias nas poucas horas vagas que dispunha.  Imaginava que depois de formada, encontraria alguém e que aqueles escritos poderiam ser um elo de amor que já começava a atrair um lindo romance que aconteceria futuramente.

Laura se relacionava bem com praticamente todos os colegas de classe mas procurava preservar os seus anseios de mulher romântica, sempre evitando conversar sobre assuntos amorosos mesmo com suas amigas mais próximas.  Estudava muito e sempre que podia manifestava sua afetividade em folhas de papel cor de rosa (adorava essa cor),  perfumadas com borrifos de sua colonia favorita. O tempo passou e ela finalmente realizou o desejo de tornar-se médica.  Um dia, ao organizar suas coisas no novo apartamento que acabara de alugar, lembrou-se daquela caixa retangular vermelha, onde sempre guardava suas poesias e textos escritos ao longo de alguns anos, desde que havia iniciado o curso de medicina. Não pode deixar de sorrir quando avistou aquela bela caixa no meio de toda aquela bagunça, comprada para colocar toda papelada que representava a sua longa explosão de afeto contido durante tanto tempo, sem que tivesse oportunidade de demonstrá-lo para aquele alguém que ela idealizara como o seu grande amor! Já fazia quase um ano que não escrevia e também não sentia aquele perfume exalado quando abria a caixa para guardar seus devaneios de amor...

Sentou-se na poltrona do quarto com a caixa nas mãos, sentindo uma doce sensação de serenidade e esperança. Fechou os olhos por alguns momentos e pensou naquela criatura tão especial que havia sido a inspiração de ternura em várias épocas de sua vida de estudante. Suspirou profundamente e abriu a caixa...
O perfume suave pareceu impregnar seus pensamentos e a visão de todos aqueles papéis cor de rosa dobrados delicadamente quase fizeram estremecer o seu coração.
- Bobagem! Pensou. Mas continuou ali sentada, de olhos cerrados, tentando formar em sua mente, a figura do homem que ela havia inventado para corresponder  as suas ilusões. A campainha tocou pela segunda vez e só então ela ouviu, pois havia instalado uma de som mais suave para substituir a que já existia. Trouxera há alguns meses na bagagem quando viajou para o exterior a trabalho. Estranhou, já que a portaria não havia avisado sobre qualquer visita. Abriu a porta com a corrente de segurança travada e deparou-se com uma homem muito simpático, de trinta e poucos anos,  vestindo roupa esporte, com um sorriso franco e sedutor.
 – Nossa!  Acho que errei o apartamento! Vim visitar meu tio e o porteiro disse que era no 4º andar, apto 41.
Laura, meio assustada, pensou que fosse alguém querendo invadir o apartamento e rapidamente fechou a porta. Logo em seguida, ligou pelo interfone e perguntou ao porteiro quem era a pessoa que ele havia deixado subir. O funcionário, meio atrapalhado, pediu desculpas pelo mal entendido, dizendo que o rapaz era sobrinho de um tal Alex, que morava no 5º andar, no 51. O porteiro havia se enganado ao mencionar o apartamento de Laura.
Dias depois, Laura encontrou aquela mesma pessoa na recepção do prédio e acabaram entrando juntos no elevador.


- Olá, tudo bem? Espero que você não tenha ficado muito aborrecida comigo... Laura sorriu ,dizendo que havia ficado assustada mas que logo se tranquilizou após falar com a portaria.  O elevador chegou no 4º andar e quando ela ia saindo, ele perguntou qual era o nome dela, apresentando-se como Renato. Um mês depois, os dois encontraram-se numa reunião do condomínio e riram do fato de não serem os proprietários e ambos terem uma procuração para participar daquela reunião que escolheria o próximo síndico. Após o término, sairam conversando e Laura muito curiosa, perguntou que profissão ele exercia.


- Sou médico, minha querida! Especialista em doenças do coração.... E riu com gosto.  Laura quase tropeçou no tapete do hall e olhando incrédula, diretamente em seus olhos, disse: - Também sou médica... cardiologista. Cuido do coração das pessoas...
Renato sorrindo, perguntou: - E do seu, você tem cuidado?
Encabulada, Laura respondeu: - Eu acho que não... 


- Então, a partir de hoje, ele será a minha preocupação! Espero que você cuide do meu, já que agora, finalmente, encontrei alguém que também entende de CORAÇÃO, como eu!


Laura e Renato já estão casados há 10 anos. A caixa? Eles a colocaram num local especial da estante da sala, com a certeza de que os sonhos colocados ali durante anos, tornaram-se a mais linda realidade.

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